Atribuição de nomes próprios a pessoas
Não creio numa função descritiva ou prescritiva dos nomes próprios. Isto é, não creio que o nome que nos deram descreve como somos, nem creio que nome que nos deram prescreve uma forma de vida. Se o significado do nome de alguém se reflecte na vida da pessoa que o tem, ou se a pessoa que o tem se revê no significado do nome que lhe deram, o fenómeno será caso de coincidência.
Exemplifico. A minha mãe chama-se Berta. Berta quer dizer “Brilhante”. A minha mãe é brilhante literal e metaforicamente. O nome que tem descreve-a bem e ela faz justiça ao nome que lhe deram. No entanto, ninguém lhe deu o nome Berta porque anteviu que ela fosse ser brilhante, nem ela se tornou brilhante porque lhe deram nome Berta.
Um caso paradigmático da não-correspondência
entre o nome de alguém e a pessoa que o tem é o meu próprio caso. Miguel quer
dizer “Quem é como Deus [?]”. Coloco o ponto de interrogação entre parêntesis
rectos porque não é certo que a sílaba Mi- seja sempre um pronome interrogativo
na língua hebraica. Para benefício do argumento, admitamos que neste caso não é,
e o significado do meu nome é uma frase declarativa. No entanto, o nome Miguel não
me foi dado na certeza ou esperança de que eu viesse a ser como Deus, nem eu me
tornei como Deus por causa do nome que me foi dado. Enquanto a minha mãe
reflecte o nome que tem, pois ela é brilhante, ninguém o anteviu, nem ela se
fez de acordo com o nome Berta. Há entre ela e o seu nome uma coincidência
feliz. Já entre mim e o meu nome há apenas uma estética fonética.
Há uns anos atrás ouvi alguém dizer que um
cristão só deve dar nomes cristãos aos seus filhos, de preferência bíblicos –
não qualquer nome cristão ou bíblico, mas um nome que tenha um significado
positivo – porque, disse, as pessoas são o nome que têm. Não podia discordar
mais da pessoa que proferiu essa opinião; não é preciso correr mundo para
conhecer Bertas que não são brilhantes e Miguéis que não são como Deus (eu). Também
não é difícil imaginar que eu pudesse ser melhor do que sou e chamar-me Jacinto
ou pior do que sou e chamar-me Jesus. Por norma, ninguém manda aos pais os
nomes que dão aos filhos, nem quando os pais dão o nome aos filhos adivinham o
que os filhos vão ser.
Por essas razões, e mais algumas, não
creio numa função prescritiva ou descritiva dos nomes próprios. Mas há quem
acredite. E já ouço uma voz retumbante dizer que conhece casos nas Escrituras Sagradas
de personagens cujos nomes prescreviam ou descreviam coisas futuras. Nesses
casos, porém, os nomes foram dados por Deus – não por pais/personagens que esperavam que os
filhos tivessem certos predicados. Para todos nós que não somos personagens
bíblicos, nem que somos alvo ou fruto de uma revelação divina particular, a relação entre
o nome que nos foi dado e a nossa pessoa é apenas nominal; isto é, entre mim e
o significado do meu nome existe apenas o meu nome.
Muito bem exposto e explicado. Ainda mais que tem circulado por aí um texto com as explicações dos nomes e já tenho ouvido comentários de pessoas que aceitam aquilo como verdade quase absoluta.
ResponderEliminarMuito obrigado. Não conheço o texto, mas fiquei curioso. Consegue encontrá-lo e colocar o link abaixo?
EliminarExiste a forma mais erudita de olhar para a coisa, que consiste em olhar para o étimo e perceber o que é que etimologicamente a palavra/nome quer dizer. Existe também a forma mais popularucha, que consiste em dizer que todas as Bertas ou Migueis são sensíveis, activos, profissionais, sentimentais, fortes, etc. Eu enderecei a primeira forma de olhar para a coisa, mas a segunda é ainda pior, porque não tem nenhum pressuposto científico — está no domínio da crendice.