Pelo natal de 2015: considerações mais ou menos desconexas


Não há nada que me apeteça dizer pelo Natal deste ano, ou, talvez, haja. É que não pensei antecipadamente, e agora já é a véspera, tarde de mais para pensar com vagar ou em demasia. A página branca é uma coisa inquietante – é a angústia e a surpresa. Mas deixar o dia sem uma palavra, por pequena que seja, é, nesta altura, o menor tributo que poderia prestar a um dos dois pontos maiores da celebração cristã deste lado da eternidade. Talvez chegue um dia em que escrever não seja, para mim, tão importante, e que tudo o que pense, viva ou diga se reporte à esfera da intimidade. No entanto, não o antevejo breve. Há uma relação com a página branca que me atrai e aflige, talvez um conflito visceral com o vazio; não, contudo, com o silêncio, porque a música é, principalmente, um fenómeno mental.

O Natal.

Que não o passo com a minha família não é, para mim, novidade. A novidade é que o passo com uma família que é como se fosse minha. Conheci-a há dez anos, nunca mais a vi e parece que nada se perdeu entretanto. A história é longa, e não me apetece encurtá-la, nem explicá-la. Por que encurtar a beleza? Não sei bem para que isso serve. Um resumo padece de pouca utilidade se não estiver a serviço de uma expansão qualquer.

Depois de quase nove horas de estrada, estou no coração da América. Lugar pacato e bonito, paisagem rural e ligeiramente montanhosa. Verde que conserva alguma intensidade, porque este ano é ano de El Niño, que perturba o curso normal da natureza por estas bandas. A namorada veio visitar, parece um bocado de Portugal aqui sentado ao meu lado. Desde que chegamos ao coração da América, há dois dias, participei num velório, funeral e enterro onde a cor dominante foi o vermelho (de Natal) e o choro uma comoção menor. É que aqui há quem acredite mesmo na vida eterna: a morte é uma separação, sim, mas não uma fatalidade, a alegria do Natal maior do que a tristeza, já que o Menino-Deus não nasceu em vão. Nasceu para morrer para que ao morrermos não morramos. Não haveria o Natal sem a Paixão e, mesmo que o houvesse, seria tão vazio como a página branca que me aflige. A vida que não conseguimos segurar nos dedos Jesus no-la assegura. E talvez não haja melhor para os que ficam do lado de cá da eternidade quando outros partem do que enfrentar a morte em alturas festivas assim, Natal e Páscoa, porque nunca, como nelas, quase tudo nos recorda isto.

Mais uma hora e estarei na igreja a cantar hinos de Natal, a ouvir a história do nascimento de Jesus contada por crianças. Amanhã de manhã, culto de Natal em duas paróquias onde se reúnem os santos em Cristo. Logo mais, ceia e troca de presentes. Tudo em comunhão com a família eterna. Jesus nasceu para que tenhamos vida e a morte não nos seja a maior desgraça. Ela não é o fim para o que crê no Menino-Deus.

Feliz Natal a todos. 

(Ao som da magnífica Missa para a Manhã de Natal, do primeiro compositor sacro para a Igreja Luterana.)



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