Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2018

Nuno Costa Santos: "Perdoa-me"

Perdoa-me esta tristeza
de súbito revelada

(já passa

como passam as nuvens
e as notícias em rodapé).

este ar de passarão triste

estes olhos de boga
este contrato a termo incerto com o pensamento.

Não é nada


sou só eu

de vez em quando.

Nuno Costa Santos, Às Vezes É um Insecto que Faz Disparar o Alarme, 2012

Citação 7: Agustina


As coisas são assim: Sören ama Regina como uma pessoa interessante pode amar um assunto interessante. Como um autor ama a sua novela. Não descansa enquanto não lhe der um fim, e duvido muito que esse fim seja o casamento. Que fazia um autor casado com o seu romance? Nem quero pensar.

Agustina Bessa-Luís, Estados Eróticos Imediatos de Sören Kierkegaard, 1992


John Donne: Holy Sonnet XIV


Batter my heart, three-person’d God, for you
As yet but knock, breathe, shine, and seek to mend;
That I may rise and stand, o’erthrow me, and bend
Your force to break, blow, burn, and make me new.
I, like an usurp’d town to another due,
Labor to admit you, but oh, to no end
Reason, your viceroy in me, me should defend,
But is captiv’d, and proves weak or untrue.
Yet dearly I love you, and would be lov’d fain,
But am betroth’d unto your enemy;
Divorce me, untie or break that knot again,
Take me to you, imprison me, for I,
Except you enthrall me, never shall be free,
Nor ever chaste, except you ravish me.


I thank Rev. Andrew T. Yeager for calling my attention to this poem.

With his permission, here are selections of what he wrote about it:


In the poem above, the poet John Donne brilliantly describes his relationship to God. He is like a town that is governed and tyrannized by an evil lord and master, the devil—an usurp’d town to another due. He very much wants God for his new Lord and Master, but he doesn’t have the strength within himself to admit God into his heart. His reason should do the work of opening a door to God. But his reason is held captive, like a prisoner in chains.

The poet wants to love and be loved by God. But he is betrothed to God’s enemy. He cannot free himself from the devil’s lordship over him. His heart is like the heavily armored walls of a fortress town over which the devil keeps watch. He cannot save himself; God alone can rescue him… He understands that God’s work in his life is a paradox: unless God batters and breaks him, he will never be free. Unless God ravishes him, he will never be chaste. God must break him down if he will ever be made new. God must kill him if he will ever live…

If we are saved, it must be completely and totally God who saves us. He must take a breach of the walls and invade the captive city. Apart from God’s work to deliver and save through the redemption of his beloved Son, we are lost forever.

Notas da viagem transatlântica n.º 8


1. Estou no aeroporto de Amesterdão, a caminho de casa, à espera de dar a última pernada, penosa, que isto já deu muitas horas de assento desconfortável aqui e ali. Um desamparo. O que custa é só a última pernada. Uma escala que dura tantas horas como a travessia de quase meia esfera. Calhou. Nem sempre é assim. As raparigas loiras já perderam a graça e as sardentas já não dão consolo nenhum. Um homem ciranda, come, recosta-se, senta-se de todas as maneiras, para voltar a cirandar e a sentar-se. Venho pontualmente para a porta de embarque para descobrir que há atraso, de uma hora. Os controladores de tráfego aéreo de França (disseram-me) estão de greve. Muita gente em terra, outros com grandes atrasos. Consolo? Consolo. A última pernada, seja em Amesterdão, em Bruxelas, ou em Londres, costuma ter um momento delicioso. Junto à última porta de embarque antes de chegar a Lisboa encontro portugueses. Que há portugueses à espera de embarcar num vôo que vai para Portugal não surpreende, e é até expectável (essa palavra horrível que se usa nas televisões). O que dá gosto é reconhecer os portugueses antes de os ouvir falar, se é que os ouço. Perguntaram-me uma vez como distingo portugueses num sítio qualquer só de olhar. Não sei explicar bem. Sei que talvez também me reconhecem a mim. Creio que todos reconhecem os seus, e mais alguns.

2. Vamos finalmente para o avião. A gente arruma-se e afivela-se para ouvir o comissário de bordo dizer, acanhado, que nos mandaram entrar para ficarmos à espera duas horas lá dentro, sentados e afivelados. O céu francês não há-de valer esta demora.

3. Se calhar, tudo isto tem uma explicação metafísica. Newton postulou que é da natureza dos corpos em repouso tender para o repouso, a menos que uma força lhes contrarie a inércia. Mas também é da natureza dos corpos, especificamente dos corpos animados, que permanecer em repouso contra a vontade e levar uma carga de porrada são duas coisas que se parecem muito uma com a outra.

Amesterdão, no decurso de viagem entre a América do Norte e Portugal, na manhã do dia 22 de Maio de 2018.