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A mostrar mensagens de abril, 2020

Quando a realidade transcende a ficção



Diários da Segunda Grande Guerra


Segundo um artigo interessantíssimo de Nina Siegal and Josephine Sedwick, ontem, no The New York Times, "The Lost Diaries of War", existem muitos escritos do período da ocupação nazi da Holanda que estão a ser progressivamente disponibilizados via transcrição digital. 

Estes escritos, diários (mais de 2000) e cartas, foram preservados a pedido do então ministro da educação holandês, Gerrit Bolkestein, no dia 28 de Março de 1944, com o intuito de que no futuro se pudesse, a partir deles, reconstruir a história da Holanda sob o jugo nazi. Muitos holandeses tinham, de facto, passado a escrito as suas experiências durante os quatro anos precedentes, entre eles Anne Frank, cujo diário, pelo menos de nome, é conhecido de todos nós. O país veio a ser libertado em Maio de 1945, e subsequentemente muitos cidadãos entregaram as suas cartas e diários ao arquivo criado para o efeito. Todavia, os autores do artigo lamentam que, na maior parte dos casos, os diários foram ignorados depois da sua catalogação. 

Mais de 90 destes diários já se encontram transcritos na totalidade e disponíveis para leitura no site do Instituto NIOD para o Estudo da Gerra, Holocausto e Genocídio.  

Imagem do NYT. Páginas do diário de Catharina Damen-Ogier, enfermeira da Cruz Vermelha. Neste diário podem ver-se fotografias de colegas da profissão médica e de soldados feridos que tratou, tanto ingleses e franceses, como alemães. 

Tráfego aéreo em Março-Abril


Imagens do Observador e AirNav RadarBox.

Metáforas bélicas


Através da comparação dos textos relevantes de imprensa representativa do Reino Unido, EUA e Alemanha, Sylvia Jaworska, num estudo publicado hoje, 13 de Abril, no Viral Discourse, sugere que a retórica bélica relacionada com o COVID-19 é um fenómeno anglo-americano

O uso de metáforas bélicas tem maior expressão, primeiro, no Reino Unido e, depois, nos EUA. Mas sendo que o estudo analisou apenas a imprensa publicada entre 7 de Janeiro e 31 de Março, a diferença entre os dois países, sugere Jaworska, pode dar-se devido ao atraso relativo do estado de pandemia nos EUA em relação ao Reino Unido, bem como à letargia inicial do governo americano em lidar com a doença.

Já na Alemanha, o uso de metáforas bélicas para falar da pandemia é comparativamente bastante reduzido; palavras dos domínios da ciência e da comunicação são preferidas. Mas aqui  o menor recurso à linguagem bélica pode ser circunstanciada pelo prurido (aliás justificado) causado na imprensa alemã pela associação desse tipo de linguagem com o regime Nazi.

Uma vez que a linguagem influencia acções, comportamentos e atitudes, o estudo termina com a recomendação das opções linguísticas da imprensa alemã, em detrimento das anglo-americanas, para se lidar mais eficazmente com o vírus. A sugestão faz sentido, especialmente porque, como observa a autora, virtudes bélicas são irrelevantes para travar a epidemia, enquanto o esforço médico, científico e comunicativo mostram-se mais adequados.

No entanto, o estudo é em geral pouco convincente, por várias razões. Primeiro, não é claro que na Alemanha se usariam menos metáforas bélicas no contexto da pandemia se a sua história recente tivesse sido outra. Também não é claro que o uso de certas metáforas (neste caso dos domínios da ciência e da comunicação) tenha fomentado melhores práticas na Alemanha ou que, por outro lado, a verificação de certas práticas tenha contribuído para uma melhor escolha vocabular da imprensa. Por último, o título do artigo promete mais do que aquilo que, na verdade, o estudo nos pode dar. A ideia de que o uso de retórica bélica é um fenómeno anglo-americano não fica provada através de um corpora linguístico tão limitado. Ela será fortalecida (ou não) quando se estudar a retórica relacionada com o COVID-19 em imprensas de outros países para além destes três.    

Na imprensa portuguesa, por exemplo, nomes como "combate", "luta" e "linha da frente" e verbos como "combater", "lutar" e "vencer" são comummente usados para descrever situações e actividades enfrentadas ou desenvolvidas pelas autoridades de justiça, forças de segurança e, sim, por pessoas envolvidas na área da saúde. Para já não falar do discurso político e do futebol, ou na celebrada "guerra das audiências" das televisões. Mas, claro, não fiz nem levantamento nem análise estatística de dados.

Em todo o caso, parece-me que a ideia sugerida por Jaworska é um tanto arriscada.

PS: Depois de escrever este post vi que artigos publicados no Internazionale, nos dias 22 e 30 de Março, mostram que o mesmo fenómeno já havia sido notado na Itália, o que não favorece a proposta de Jaworska.

Achado na Net (4)



O mal dele é ter sido leitura escolar. Doutro modo, até seria bom.
Sobre Discoveries and Opinions of Galileo, trad. Stillman Drake (Nova Iorque: Anchor Books, 1957).

John Donne: Death's Duel

"There we leave you, in that blessed dependency, to hang upon him, that hangs upon the cross. There bathe in his tears, there suck at his wounds, and lie down in peace in his grave, till he vouchsafe you a resurrection, and an ascension into that kingdom which he hath purchased for you, with the inestimable price of his incorruptible blood."

Assim termina o último sermão de John Donne, pregado em 25 de Fevereiro de 1631, no White Hall, perante o rei e a família real. A solenidade litúrgica era a primeira Sexta-feira na Quaresma. Donne subiu ao púlpito tão fragilizado pela doença que a congregação suspeitou que não conseguiria proferi-lo, mas, nos diz o editor da sua obra completa no século XIX (Henry Alford), que, então, uma vontade férrea energizou o fébil corpo para cumprir a tarefa sagrada que lhe havia sido confiada.

O sermão foi publicado no ano seguinte, sob o título Death's Duel, or, A Consolation of the Soul, against the dying Life, and living Death of the Body. O frontispício ainda nos diz que a casa real veio a estimar que, com ele, Donne na verdade pregou o sermão do seu próprio funeral. Em verdade, a doença mostrou-se fatal, e Donne acabou por morrer um mês depois, no dia 31 de Março.


* O ano 1630, no frontispício, é, na verdade 1631 no calendário actual. Na Inglaterra de então segui-se o calendário juliano, cujo ano civil começava a 25 de Março. 

Imagem: British Library.
Citação: Henry Alford (ed.), The Works of John Donne with a Memoir of His Life, vol. 6. London: John W. Parker, 1839, p. 298.

John Donne: Hymn to God, My God, in My Sickness


Since I am coming to that holy room,
Where, with thy choir of saints for evermore,
I shall be made thy music; as I come
I tune the instrument here at the door,
And what I must do then, think here before.

Whilst my physicians by their love are grown
Cosmographers, and I their map, who lie
Flat on this bed, that by them may be shown
That this is my south-west discovery,
Per fretum febris, by these straits to die,

I joy, that in these straits I see my west;
For, though their currents yield return to none,
What shall my west hurt me? As west and east
In all flat maps (and I am one) are one,
So death doth touch the resurrection.

Is the Pacific Sea my home? Or are
The eastern riches? Is Jerusalem?
Anyan, and Magellan, and Gibraltar,
All straits, and none but straits, are ways to them,
Whether where Japhet dwelt, or Cham, or Shem.

We think that Paradise and Calvary,
Christ's cross, and Adam's tree, stood in one place;
Look, Lord, and find both Adams met in me;
As the first Adam's sweat surrounds my face,
May the last Adam's blood my soul embrace.

So, in his purple wrapp'd, receive me, Lord;
By these his thorns, give me his other crown;
And as to others' souls I preach'd thy word,
Be this my text, my sermon to mine own:
"Therefore that he may raise, the Lord throws down."

Teresa Esteves da Fonseca / Kurt Weill / Chico Buarque

Quando a insónia bate forte, faço vídeos e canto. Brincadeira, quem me dera ter uma voz assim tão afinada. A Teresa foi minha colega na Faculdade de Letras, e tem feito coisas muito bonitas. 

Da Ópera do Malandro, Chico Buarque (1978). 
Música original: Die Moritat von Mackie (ou Mack the Knife), de Kurt Weill.

Brad Mehldau / Beatles: And I Love Her



Canção escrita por Paul McCartney e John Lennon, integrou o terceiro álbum dos Beatles, A Hard Day's Night (1964), aqui interpretada pelo norte-americano Brad Mehldau e o seu trio no ábum Blues and Balads, gravado em 2012 e 2014, mas lançado apenas em 2016. O álbum contém 7 faixas, todas elas muito boas interpretações de canções de outrém. Uma excelente companhia à noite, especialmente com um copo de vinho.