Quaresma


Este ano comecei a Quaresma cedo. Arreliado com o facto de o Advento e o dia de Natal me terem passado praticamente despercebidos, decidi aclimatar-me à Quaresma cedo, antes que múltiplas ocupações me distraissem de leituras apropriadas.

Foi assim que no fim dos doze dias do Natal e no início da Epifania li paulatinamente o pequeno livro The Passion Pilgrimage (1961), uma colecção de nove sermões do pregador de Detroit Erwin Kurth, que nos pinta as cenas da Paixão com um misto de detalhe histórico e imaginação ao passo que nos leva em peregrinação entre os jardins das oliveiras e da resurreição:

"The itinerary will be from garden to garden. We shall begin in a garden of anguish, and end in a garden of hope. In between, we shall witness what great things God has wrought in our behalf." (p. 17)

Talvez fruto do seu tempo, estes sermões demonstram grande preocupação com a situação histórica e material de fundo  mais do que gostaria de encontrar em textos devocionais. O registo que materializa essa preocupação nem sempre facilita a beleza de expressão, mas aqui deixo alguns passos onde a elaboração poética relampeja forte. 

"[T]he bloody sweat of Jesus came from an utter faintness of the soul. 'My soul is exceeding sorrowful, even unto death.' [...] His eyes did not weep tears. His whole body wept tears. And the tears were as blood." (p. 20)

Aqui uma interpretação da morte que é simultaneamente exacta teologicamente e elegante:

"Sin is death begun; death is sin completed." (p. 21)

A descrição do encontro dos olhos de Pedro nos olhos de Jesus depois de ele o ter negado três vezes nos faz imaginar o que esses olhos diziam:

"Peter looked up, and as he looked, he saw, up there on the portico of the palace, the Lord turning and looking at him. Yes, in all the assembly, the Lord looked upon Peter. Those eyes! They were the eyes of God." (p. 53)

Por fim, a surpresa, o espanto, que tantas vezes nos escapa, de que um dos bandidos na cruz se convertesse naquela hora em que ver Jesus como Senhor e rei exigia mais fé do que nunca, uma fé que transporta montanhas e as atira no mar, que vê o impossível na ordem do possível. Este episódio é um hino à fé como dádiva da graça divina.

"[The penitent thief] could see only a man impaled on a dagger of wood, stripped of clothing, dignity, and earthly power, marred by stripes and thorns; rendered helpless by nails, ropes, and a wooden pin; forsaken by His disciples and rejected by a people who might conceivably have qualified as subjects of the 'kingdom'; yapped at by the leaders and their followers; scorned, ridiculed, reviled; suspended between heaven and earth as though belonging to neither. And yet the thief dared to say, 'This is my Lord and King.' 'Lord, remember me when Thou comest into Thy kindom.' What marvelous insight! What towering faith!" (pp. 86-7)

A resposta de Jesus não podia esperar:

"Today, as soon as thy soul leaves its earthly tabernacle, 'thou shalt be with Me in paradise.' I promise this. I certify it with a 'Verily.' Wouldest thou ask for more? To be with Me is paradise. Paradise does not extend higher or wider or deeper or farther than that."  (p. 90)


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